quinta-feira, 10 de março de 2011

Rodrigo Bueno - O "Divino", a anaconda e a luta no solo

"... IMPÕE COM seu jogo o ritmo do chumbo (e o peso), da lesma, da câmara lenta, do homem dentro do pesadelo. Ritmo líquido se infiltrando no adversário, grosso, de dentro, impondo-lhe o que ele deseja, mandando nele, apodrecendo-o. Ritmo morno, de andar na areia, de água doente de alagados, entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário." O poema de João Cabral de Melo Neto foi feito para Ademir da Guia, mas poderia ser para o atual Barcelona. Não vi o maior ídolo alviverde atuar, mas lances em vídeo e esse torturador poema moldaram a ideia que tenho do "Divino".Da mesma forma, não pude presenciar muitos dos maiores times da história, porém alguns VTs e relatos sobre eles bastaram para que eu os cultuasse. Sem medo de desrespeitar os gigantes do passado e enfurecer os saudosistas, o Barça de hoje está definitivamente na galeria dos maiores.Um outro genial João, o "Canalha" Albuquerque da ESPN, perguntou-me se o esquadrão de Messi, Xavi e Iniesta poderia ser comparado com o Santos de Pelé. Fiz uma ressalva de que o atual Espanhol é um torneio de dois times, mas o Paulista dos anos 60, por pontos corridos, também era.O Barça pode ruir contra um gigante na Copa dos Campeões, o que ocorreu ano passado. Mesmo assim, já conquistou a história com seu ritmo assustador. Pobre Arsenal: nenhuma chance de gol, 32% de posse de bola, 19 faltas e seis cartões contra oito infrações e nenhuma advertência.Pensei em inúmeras comparações e metáforas para descrever o Barça. A melhor que me veio à mente foi o poema acima. Mas lembrei de imagens de estrangulamento, como uma anaconda enrolando calmamente a presa enquanto quebra seus ossos ou um lutador de vale-tudo que leva o rival grandalhão ao solo e ataca pacientemente até o momento do xeque-mate. O futebol está aos pés de algo monstruoso.

Rodriguo Bueno - Publicado na Folha de São Paulo em 10/03/2011.


O Poeta e o futebol - Poema de João Cabral de Melo Neto em homenagem a Ademir da Guia, o “Divino”.

Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.

Ritmo líquido se infiltrandono
adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.

Ritmo morno, de andar na areia,
da água doente de alagados,
entorpecendo, e então atando
o mais irriquieto adversário.

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