segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ser Vasco é preciso

XICO SÁ

Só o time da Colina pode desbravar novamente uma campanha pelo futiba de massa

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, a caravela saiu do escudo, do peito do vascaíno, e até agora singra ruas e mares, que festa merecida, depois do triunfo do mais nacional dos campeonatos.

O mais nacional e o menos elitista, o torneio da gente diferenciada, como diriam em Higienópolis. Nenhum time mais que o Vasco da Gama, o nome do heroico português, merecia o título nessa hora.

Nessa grave hora, amigo, em que o futebol, assim como na sua chegada à nossa pátria, embranquece de novo, caminha para uma elitização medonha, com ingressos ao alcance de poucos. Navegar é preciso, ser Vasco agora é mais preciso ainda.

O Vasco, o primeiro clube a aceitar negros, mulatos e brancos pobres na sua equipe, quando o esporte ainda era exclusividade dos barões, ganha a Copa do Brasil, essa espécie de Coluna Prestes ludopédica, que abarca o sertão e o cais. Que o título vire símbolo. Só o time da Colina pode desbravar de novo uma campanha, na contramão da história, por um futiba de massa, que não caia no conto elitista de sequestrar a geral dos estádios. Só o Vasco, prezado Dinamite, pode sair na frente.

O Flamengo e o Corinthians, também de origens proletárias, só pensam em luxo e riqueza. Quem sabe uma aliança com o Internacional, outro pioneiro no embate de classes. Quem sabe o Santa lá no Recife, com seu bravo lumpesinato, também abrace a causa.

O mundo gira e a lusitana roda, a história carecia de um Vasco forte exatamente agora. O Vasco de Almir Pernambuquinho e de Juninho Pernambucano. O Vasco dos patrícios, da padaria e de todas as adegas, do trabalho e da bagaceira, do português que sai da piada para entrar na história, reescrevendo, com a Bic que escorre atrás da orelha, um novo Lusíadas.

Cesse toda a obviedade que a resenha esportiva canta. Sem essa de achar que Copa do Brasil vale pela vaga na Libertadores. Tudo bem, dá acesso, o futuro a Deus e a dom Sebastião pertencem. O que vale, porém, é a mais nacional das pelejas, não esse Sonolentão-2011 apenas com 20 clubes da elite.

Agora, rumo ao Santos Dumont, vejo uma imagem inesquecível, a multidão vascaína arrastando o ônibus do clube como se fosse uma caravela gigante, uma arca de Noé que desliza no seco como se no oceano dos grandes conquistadores.
"Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar." Eis a trilha sonora, do vascaíno Paulinho da Viola, ecoando sobre a velha Guanabara.

Publicado na Folha de São Paulo em 10/06/2011, sexta-feira

Em novo álbum, Romulo Fróes se distancia dos ícones da MPB


Romulo Fróes

ROGÉRIO SKYLAB
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando ouvi "No Chão Sem o Chão", disco de Romulo Fróes de 2009, achei que ele havia chegado onde almejara. "No Chão..." dependia dos discos anteriores: "Calado" e "Cão". E essa duplicidade o engrandecia.

O que distingue o artista da nova leva de compositores não é apenas o fato de ele ser o arauto da nova música.

Ele dramatiza essa música. E "No Chão Sem o Chão" era a maior prova disso: a canção expandida, segundo Luiz Tatit, ou a "estética do longe", como tentei defini-la.
Esse é o terceiro ciclo da nossa música. O primeiro começa com a bossa nova e chega até os anos 80. A vanguarda paulistana e o rock-Brasil compõem o segundo.

A partir de Marisa Montes e Los Hermanos, entramos no terceiro. Aqui não há mais confrontação. A intenção perdeu a força e a voz. É solitária e vazia. O que era expressivo passa a ser neutro.

Em "No Chão sem o Chão", estamos num museu natural. Há Chico, Caetano, Djavan... Empalhados, mas presentes.

"Um Labirinto em Cada Pé", no entanto, aumenta a distância dos ícones. Eles estão esmaecidos, invisíveis.

Personagens concretos perdem a nitidez. Fróes parte para o esvaziamento. Cheguei a pensar no efeito de duplicidade na "estética do longe", que mais amortiza do que intensifica os objetos.

Ledo engano. "Ditado" diz: "A vida às vezes tem um lado/ A vida às vezes tem dois lados/ A vida até tem três ou quatro/ Anota bem o meu ditado/ Às vezes fica até quadrada/ Mas bem lá dentro você sabe/ A vida é círculo e é elipse/ Quando ela é sol ela é eclipse/ Quando ela morre é que ela vive".
"Um Labirinto em Cada Pé" leva essa nova música mais longe. O círculo ultrapassa a duplicidade.

ROGÉRIO SKYLAB é músico
Publicado na Folha de São Paulo em 13/06/2011, segunda-feira.